copydesk José Márcio Castro Alves
clique nas fotos para ampliá-las
Diogo da Rocha Figueira foi um criminoso célebre no Estado de São Paulo. Natural de Botucatu, sua vida de crimes começaria logo na mocidade quando mataria à punhaladas o namorado de uma irmã por questões de honra. Casou-se e firmou-se como agrimensor nas regiões de Cravinhos e São Simão, posteriormente na Vila Mato Grosso de Batataes (Altinópolis), onde tinha amigos e protetores. Chegou a morar por uns tempos na Vila Mato Grosso, muito embora sua vida de crimes o tranformasse num peregrino fugitivo.
Sua fama de assassino cruel e invulnerável continua viva há mais de um século depois que ele foi dado como morto no ano de 1897. O fato se dera depois de um cerco que culminou em tiroteio entre ele e a polícia, às margens do rio Mogi-Guaçú - oeste do Estado. Como o seu corpo nunca foi encontrado, a população do interior não acreditava na sua morte. Em pouco o bandido Dioguinho viraria lenda e também o autor de inúmeros crimes cometidos no imaginário popular – crimes fictícios atribuídos a ele, embora ocorridos muitas décadas após a sua morte em 1897.
Ao rever a trajetória da construção de um mito, a autora Marília Schneider* comenta a ação policial e judiciária para a captura do famoso homicida paulista, tomando por base narrativas literárias, crônicas jornalísticas e os julgamentos de habeas corpus dos acusados de cumplicidade do criminoso.
Durante o mês de abril do ano de 1897, o governo do Estado de São Paulo empreendeu uma verdadeira força-tarefa para capturar Diogo da Rocha Figueira, o “Dioguinho”, a quem se atribuía mais de 50 assassinatos praticados entre os anos de 1894 e 1897. O facínora vivia acoitado em fazendas no extremo Oeste do Estado de São Paulo, na região denominada de “Mogiana”, formada em função das ferrovias que se interligavam com a Estrada de Ferro Mogiana. Essa região abrangia a comarca de Ribeirão Preto, cidade então considerada a capital mundial do café.
É de 1903 a publicação do livro “Dioguinho, narrativa de um cúmplice em dialecto”, de Antonio de Godoi Moreira e Costa, 4º Delegado de Polícia da capital que foi o encarregado, em 1897, de comandar a captura de Diogo.
João Amoroso Netto, outro Delegado de Polícia paulista, também publicou uma série de artigos sobre Dioguinho no jornal Diário da Noite no ano de 1949. Ele utilizou a narrativa de Antonio de Godoi, acrescentando a ela informações obtidas em processos judiciais arquivados nas Comarcas de Botucatu, Ribeirão Preto e São Simão; também se apoiou “na tradição oral de pessoas idôneas”, para “descrever a vida do maior bandido paulista de todos os tempos”, no livro “Dioguinho. História completa e verídica do famoso bandido paulista”. (1949: 58) É também de sua autoria o artigo “O Dioguinho”, publicado na Revista do Departamento de Investigações da Polícia em 1949. De forma geral, este autor apenas reproduz a “Longa e macabra a relação de crimes praticados, ou a ele (Dioguinho) atribuídos.” Destacou, como Antonio de Godoi , detalhes bárbaros dos crimes atribuídos àquele bandido. Ambas as narrativas exploram o apelo emocional que a representação do homicida frio e violento suscita no leitor.
Em 2003 o jornalista João Garcia Duarte Neto lança Dioguinho, o matador de punhos de renda. No romance, que tenta resgatar a fala original do caipira do final do Século XIX, o autor sugere a homosexualidade de Dioguinho, mas sem qualquer documentação. João Garcia já havia produzido uma reportagem em vídeo em 1990 sobre Dioguinho, levada ao ar pela TV Ribeirão, afiliada da TV Globo em Ribeirão Preto, SP, baseada no livro de João Amoroso Neto e nas inúmeras entrevistas que empreendeu, além de jornais da época.
Dioguinho fez sucesso até no cinema mudo
O noticiário do lançamento do primeiro filme sobre a vida de Dioguinho (1917) é uma peça de comédia: Primeira versão sobre a vida do bandido na região araraquarense, a quem o Tenente Galinha manteve feroz perseguição (em nossas entrevistas na região de Matão e Sertãozinho, ouvimos muitas referências aos dois lendários inimigos).
O Correio Paulistano, de outubro de 1916, dá notícia da fundação da Paulista Filmes, de Guelfo Andaló, Farid Riskalah e A. Padalino e já diz que sua primeira produção, Dioguinho, estava pronta, filmada às margens do rio São Simão e para cujo trabalho, o fotógrafo João Stamato veio especialmente do Rio.
Ficha técnica: diretor, Guelfo Andaló; argumento, A. Padalino (segundo CB); fotografia de João Stamato. Elenco: Georgina Marchiani, Antônio Latari, Elvira Latari.
Quarenta anos depois, Hélio Souto viveria a mesma personagem, num filme a cores.
O romancista e crítico literário Menotti Del Picchia, comentando seus estudos para compor o romance “Dente de Ouro”, referiu-se se a Dioguinho como “o mais famoso e marcante chefe de bando” já conhecido. Este autor faz uma abordagem psico-social do bandido paulista, conhecido como “valentão”. Trata-se de tipo social característico da “civilização caipira” que o inspirou a estudar o ambiente humano em que se desdobra o drama de alguns bandidos famosos no “hinterland” paulista. O romancista cita Dioguinho, um dos valentões que, mais que famoso, já tinha sido transfigurado em formas míticas. Tendo conhecido várias versões da sua lenda, Del Picchia concluiu: “Cada ‘valentão’ se multiplica, cataliza façanhas alheias, deforma-se sentimentalmente a tomar atitudes vingadoras de cavaleiro andante e a enriquecer-se com o halo quixotesco de façanhas inidentificáveis” (1949:8).
O assassinato de José Venâncio de Azevedo Leal
Nascido por volta de 1840 em Passos - MG e falecido em 26.03.1895 em Mato Grosso de Batatais (hoje Altinópolis - SP), José Venâncio de Azevedo Leal foi vítima de uma emboscada feita pelo famoso bandoleiro Dioguinho.
José Venâncio de Azevedo Leal era capitão da Guarda Nacional, fazendeiro e sub-delegado de polícia de São Simão e de Altinópolis, ambas cidades paulistas da região de Ribeirão Preto. Possuía fazenda em São Simão, tendo se mudado de lá por volta de 1890/93, provavelmente fugindo da febre amarela. Possuía também uma fazenda em Altinópolis chamada “Liberdade”. Há indícios de que era sócio da Companhia Melhoramentos, concorrente da Companhia Mogiana.
A cavalo, retornara José Venâncio de um batizado na cidade de Batatais - SP, juntamente com seu consogro, João Batista de Souza Maia, quando foram alvejados por tiros deflagrados por Dioguinho e seus capangas.
A partir desses dois crimes, a vida do bandido Dioguinho estaria com os dias contados.
Transcrição da Certidão de óbito de José Venâncio de Azevedo Leal - Livro da Paróchia de Nossa Senhora da Piedade de Matto Grosso (Batataes)
Aos vinte e cete dias do mêz de Março de mil e oito centos e noventa e cinco sepultou se o cadaver de José Venâncio de Azevedo Leal, de idade de cincoenta e cinco cazado com D. Maria Ignocencia de Jesus, a sobrevivente deixando oito filhos; e não deixou testamento, cuja morte foi na estrada de Batataes por um tiro disparado do Matto; e para constar lavro o presente termo. O vig. Luiz G. Mochi.
Em 1990 os jornalistas João Garcia (autor do romance Dioguinho, o matador de punhos de renda) e Rosana Zaidan refizeram a vida de Diogo da Rocha Figueira, o Dioguinho, num documentário apresentado pela então TV Ribeirão, afiliada da rede Globo. Um trabalho minucioso e sem dúvida o mais rico em detalhes pormenorizados sobre a vida do bandido Dioguinho, o agrimensor de Botocatu que se tornaria o bandido mais famoso do noroeste paulista. O repentista Francisco Ferreira, conhecido por Chico louco - natural de Santa Rosa do Viterbo, foi um dos entrevistados do programa. Com toque de mestre ele descreveu a vida do bandido Dioguinho em apenas cinco estrofes, acompanhado por uma viola caipira. Dez anos depois encontrei o Chico Louco numa esquina junto aos amigos e gravei, de forma bem amadora, o próprio Francisco Ferreira cantando a música Dioguinho, sem acompanhamento, numa tarde de setembro de 2000. Confira no vídeo.
(artigos compilados dos sites http://www.crearte.com.br/carlos_genealogia_g01.htm)
* SCHNEIDER, Marília. Além da justiça: o homicida Dioguinho e seus cúmplices. Justiça & História-revista do memorial do judiciário Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Centro de Memória do Judiciário, v. 3, n. 6, p. 131-159, Papel. 2003.
José Márcio Castro Alves